RÁDIO PESSOAS
  • Início
  • Artigos
  • Vídeos
  • Contato
  • Sobre

R P   ​F R E Q U E N TA

Revista Baleia

13/4/2023

Comentários

 
Fotografia

​A maioria das flores são andróginas. Têm pistilo e estame, e são capazes de dar e receber ao mesmo tempo. Diz a ciência que as pétalas têm tantas cores, e as formas florais são tão diversas quanto os seres que levam o pólen de uma à boca de outra flor. A corola é um convite colorido que a planta lança ao ar, e nos seus desenhos extravagantes, suas variações caprichosas, na delicadeza dos traços, quase se adivinha numa flor a natureza livre, a desenhar como se escrevesse um poema. Não é à toa que a flor e a poesia estiveram tão próximas na boca do povo. O projeto que a Rádio Pessoas frequenta hoje é a Revista Baleia com seus versos vira-latas, que teve primeiro sua germinação como ideia e realidade em saraus de poesia na floricultura Arte & Flor.
Fotografia

​Como tudo na vida, o embrião dos projetos é gente germinando junto. Através de encontros à volta da poesia e entre flores, se formou o grupo que daria início à revista. O interesse mútuo em poesia preenchia os encontros, e as pessoas envolvidas começaram a querer materializar esses momentos - dar papel, e por isso longevidade à ideia. Aconteceu um espaço receptivo não apenas à declamação, como também à exposição de poesia autoral. Adolfo Caboclo conta que a poesia era lida em roda, sem a autoridade do microfone, num ambiente de partilha. Raoni apareceu com coisas escritas - mas como disse o compositor Sérgio Sampaio, um livro de poesia na gaveta não adianta nada. Conforme os saraus multiplicavam-se, surgia cada vez mais a vontade de não apenas ler, como também fazer poesia.

Diz-nos Adolfo que um dia, na Tasca Bahia, quando o assunto virou poesia, houve a primeira conversa explícita sobre a produção da revista. Estavam Anne, Nayara, Raoni, Adolfo, André, Tiago, Jefferson. Um projeto entre amigos. E assim foi também seu plano: Joana Gonçalves, que é designer, faria a paginação; Neli Beloti, boa organizadora, planejaria a captação de recursos. Poesia era o que não faltava para ser imprimida, e como o momento do sarau também se tinha tornado um ponto de encontro para gente amiga, logo surgiu o suporte e a vontade necessária para a revista finalmente acontecer.
Fotografia
Fotografia
1º lançamento

​Anne conta que a Baleia se tornou uma família. Não se trata apenas de uma revista, mas de um projeto que surge do solo do entre-acolhimento, diz-nos ela. A maioria das pessoas envolvidas são estudantes ou imigrantes do Brasil, longe de suas famílias e seu país em momentos incertos e turbulentos da sua política nacional, como lembra André. Ele afirma que a revista foi uma realização do alívio sentido pela derrota de Bolsonaro. Anne reafirma isto, falando que a revista é também um grito, um manifesto de revolta. A poesia se põe aqui como este objeto comum, como uma fogueira cercada de gente que se relaciona através da sua luz. Entrecruzam-se as ansiedades políticas e sociais, o desejo de acolhimento e pertencimento, os versos vira-latas, e não temos apenas uma revista, mas um organismo. E um organismo que vem crescendo.

Fotografia
2º lançamento
​
​O primeiro grupo da revista acredita que ela sobreviverá ao seu envolvimento. Como diz Anne, “a Baleia já não é nossa”. Espalhou-se pelo mundo, já frequentou mãos e bocas amigas em muitos países. Contam que há até quem já tenha ouvido falar no Brasil e, planejando vir a Portugal, queira vir participando. Para Adolfo, isso é importante, deixar projetos, fazer acontecer na cidade. Nisto inclui-se trazer discussões importantes através da revista, como a decolonialidade e o feminismo. Todas as capas da revista, que já vai na sua terceira edição, foram desenhadas por mulheres. A última lançada foi uma edição comemorativa do Dia das Mulheres, e foi preenchida de poesia na sequência de uma chamada aberta a todas elas. Segundo Adolfo, a chamada teve mais aderência que o esperado, e tiveram mesmo de fazer curadoria para saber quais poemas seriam incluídos na edição. “Faltou até papel”, diz-nos Adolfo.


Fotografia
3º lançamento

​Adolfo conta que o nome da revista é uma referência à pobre cadela do romance Vidas Secas, de Graciliano Ramos. A ideia é que a Baleia está para o Brasil como a Cabra está para Coimbra, Portugal. As cabras são animais de pouco, conhecidas por serem capazes de se alimentar das mais duras raízes. Têm quatro estômagos para ir contra resistência do mato duro de que têm de se nutrir. Já a Baleia, que tem apenas um estômago, é também capaz de comer o mundo, num gesto inaugurado pelo nosso modernismo de pátria vira-lata. Que tenhamos vontade e disposição para continuar a se orgulhar desse viralatismo. Com seu sotaque brasileiro, a última flor do Lácio permanece criativa na cidade de Coimbra, e tem pistilo e estame para continuar sua inflorescência. Leiamos poesia!
​

.
.
.

​Autor: Pedro Ribeiro
Fotos gentilmente cedidas pela Revista Baleia
Comentários

    Receba nossa Newsletter

Confirmar




​Música Arte Tecnologia Educação
- MATE | Todos os direitos reservados 
  • Início
  • Artigos
  • Vídeos
  • Contato
  • Sobre