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Coletivo Gambozino

1/3/2023

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Nas instalações do Grêmio Operário, no dia 25 de fevereiro do corrente ano, houve uma conversa a encerrar a primeira exposição do Coletivo Gambozino na cidade de Coimbra, Portugal. Intitulada Intelecto Agente, o evento durou 15 dias, reunindo exposição, performance, conversas com artistas e até mesmo concertos, que tiveram lugar no Pinga Amor.
Fotografia
Babu Hamilton, artista angolano residente em Coimbra, abriu a conversa expondo alguns detalhes sobre um dos núcleos temáticos de seus trabalhos. Através de uma diversidade de técnicas, em que se destacam a serigrafia e a colagem, Babu Hamilton procura expressar sobre memória e identidade, particularmente no que elas têm de relação com a língua. Seus trabalhos redescobrem a história de línguas subjugadas pelo avanço colonial em África. É pelo valor plástico dos símbolos adinkra, espécie de ideogramas originários de Gana, que Babu procura recontar culturas apagadas pela língua dominante, recuperando nas inscrições ancestrais o sinal perene, a memória externa de uma outra história do mundo. Esses símbolos são sobrepostos, reapropriados, impressos sobre imagens que denotam antigas narrações; numa de suas peças, a figura de uma mulher etíope em trajes tradicionais se sobrepõe aos traços tipológicos do adinkra. Em outra peça, Babu exprime a não-linearidade e a confusão histórica vindas dos encontros entre povos pela exposição de camadas caóticas de cor polvilhadas de símbolos carimbados. A linguagem como legado, depositária de memória; e a memória, no lembrar-se, como depositária de identidade e retificação histórica.
Rita Gaspar Vieira, artista e docente, prossegue a conversa. Para ela, que crê o olhar como condicionado pela posição em que nos encontramos no mundo, a arte é também uma forma de redescobrir a novidade dum cotidiano que, embotado pelo hábito, pode passar ao lado. Uma das temáticas das obras que nos mostra é a transposição de texturas e dimensões de um lugar para a exposição vertical da tela e o espaço da galeria; para ela, o lugar, suas texturas, cheiros e cores, imprimem-se na memória, como as ranhuras do chão de uma fábrica se imprimem numa de suas obras: uma gigantesca tela composta de algodão encharcado e tingido com grafite que é verticalizada quando seca, tornando-se como um mapa impresso dos acidentes do chão aonde secou. O tecido, o papel, enfim, o suporte material torna-se superfície com o toque imprimido de um lugar.

A seguir, se deu uma troca entre Rita e Babu, em que, a convite de quem vos escreve, falaram um pouco sobre a sua relação simbólica com a tela, o texto, o tecido e a marca, impressão, o tingimento. Rita mencionou como, tendo se iniciado na arte através do desenho representacional, sentiu sua transição estética para longe da representação como um aproximar-se das coisas mesmas. Em suas palavras, as suas obras têm a dimensão daquilo que representam; ou melhor, geralmente são o que representam. O tema das possibilidades do que pode ser superfície material da memória também interessa a Babu, para quem tudo começa no papel, aonde se gravam as memórias, as experiências, o detalhe da história pessoal.
Fotografia
Finda a conversa, tivemos a apresentação de quatro vídeos. Nos três primeiros, a artista Lilian Walker explora o registro em vídeo das oscilações de um corpo humano e atuante, coberto de materiais pulverizados. No primeiro e segundo vídeo, contra o panorama da cidade de Brasília, vai aos poucos emergindo um abdómen soterrado de terra muito vermelha, ofegante e sôfrego. Ao fundo, um som de britadeira. Já no segundo, um colo coberto de materiais pulverizados multicolor sublinha o movimento orgânico da fala, que no vídeo fica quase abstraída, reduzida a sussurros. O terceiro vídeo, do artista Chancko Karann, é o registro em vídeo – vídeo com distorções esféricas, em preto e branco – de um trajeto feito comumente pelo artista, que possui limitações de mobilidade.
Dois dias depois, já desmontada a exposição, encontro-me com Pedro Vaz e Emanuela Boccia para conversar sobre a exposição. Ainda que a exposição tenha sido composta por obras dos mais variados materiais e meios – instalação, tecelagem, videoarte, serigrafia, pintura – Pedro e Emanuela, responsáveis pela curadoria e organização, pensam que há uma unidade através da diversidade de diálogos que uma exposição coletiva como esta traz; Emanuela, além disso, também participou com uma obra sua.

Ambos conhecem uma série de artistas cuja atividade ainda não se tinha visto em Coimbra, havendo até mesmo uma artista para quem esta foi sua primeira exposição. Há também artistas internacionais, que optaram pela videoarte na sua participação pela facilidade de sua reprodução em território português. Sendo um projeto com pouco orçamento, trazer estes artistas ou suas obras físicas seria difícil. A exposição foi também motivada por uma necessidade de procura de espaços de exposição para artistas incipientes. Vista a dificuldade desta primeira inserção no circuito expositivo “oficial”, Pedro e Emanuela pensam que é preciso procurar espaços, “fazer aonde dá”, como diz Pedro, mesmo que isso signifique montar uma exposição num espaço que, a princípio, não foi construído para esta finalidade, como é o Grêmio Operário.

Há a menção de uma grande dificuldade de aceder a espaços tradicionais, tendo em conta que são jovens artistas e muitas vezes os processos de seleção das salas de exposição tradicionais têm dificuldade de reconhecer e apoiar novos projetos. Pedro Vaz chega a aludir a um problema de autoestima dos artistas, ou mesmo ao medo envolvido em se expor enquanto tal. A arte vulnerabiliza a artista, mas ainda assim todo artista tem a preocupação de ter seu trabalho exposto – visto, colocado diante do público, seja ele qual for. A forma da exposição coletiva fomenta a ajuda mútua entre artistas, que se fortificam nessa relação e têm a oportunidade de se deixarem influenciar e impactar pelas obras de seus contemporâneos. O desafio não passa apenas por encontrar artistas e unificá-los em torno de uma só exposição, como também pensar a montagem de um espaço que não foi feito para expor. Emanuela sublinha como a própria montagem em tais condições é um processo criativo, em que se trabalha com o que se pode e o que se tem.

A exposição conta com artistas mais experientes, mas a maioria ainda lida com o problema de se fazer expor. Todo este esforço está calcado, como transpira na conversa, num tremendo amor à cultura e à arte, na consciência de seu poder transformativo, suscitador de questionamentos e trocas – tanto entre o público quanto entre artistas. Gambozino, segundo Emanuela, é uma criatura imaginária que os adultos pediam para que as crianças procurassem. Caçar gambozinos, esta atividade de procurar o que não existe, é, para Pedro Vaz, uma bela metáfora do fazer da curadoria e da arte – “é ver o que não está” e agir para que passe a estar, como diz. Emanuela insiste na noção de que a arte deve ocupar espaços improváveis, estabelecer laços com a comunidade que a rodeia, instigar a mágica e a fantasia que são seus componentes naqueles que a apreciam.
Fotografia
Ao fim da conversa, saio com a impressão de que o Coletivo Gambozino desenha no panorama coimbrão um trajeto a contrapelo, em que os próprios artistas, organizados, têm de cavar seu espaço nos espaços que conseguirem ocupar, por indiferença ou ignorância das instituições – para quem sabe lá finalmente encontrar Gambozino, essa ausência tão presente. Que seja aberta a caça aos gambozinos, que é talvez o que nos falta!

Fotografias: Guilherme Fonseca
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    Pedro Ribeiro

    Coluna sobre arte e cultura na cidade de Coimbra, Portugal.

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