Em digressão pela Europa, grupo Kayatibu, formado por três jovens indígenas da floresta Amazônica, evoca o poder da cura através do cancioneiro tradicional do povo Huni Kuin.Texto: Keissy Carvelli Fotografia: Divulgação Kayatibu significa ‘transformação da vida’. A palavra é originária da etnia Kaxinawá ou Huni Kuin e dá nome ao grupo musical formado pelos jovens indígenas Txana Tuin Huni Kuin, Yura Shane Huni Kuin e Shane Huni Kuin, habitantes da Floresta Amazônica, mais especificamente na faixa geograficamente localizada no Estado do Acre, às margens do Rio Jordão. Juntos e acompanhados do músico mineiro Luiz Gabriel Lopes, eles subiram ao palco do Salão Brazil no início de junho e apresentaram canções do álbum Ni Hui - Voz da Floresta, álbum produzido por Luiz Gabriel Lopes a ser lançado ainda este ano. Pela segunda vez em digressão pela Europa, os Kayatibu desenvolvem, desde 2012, um projeto de resgate da cultura indígena através da música historicamente ligada aos rituais xamânicos e de cura de seu povo. Floresta do futuroO projeto Kayatibu recebeu, em 2019, apoio financeiro do Itaú Cultural, por onde foi possível a realização de oficinas musicais com diversos músicos, entre eles Luiz Gabriel Lopes, ou simplesmente LuizGa, como se autodenomina artisticamente. O músico, que também se apresenta na Casa de Artes Bissaya Barreto, no dia 8 de julho, conta que voltou diversas vezes à aldeia Huni Kuin mesmo após o fim do financiamento cultural. Destes encontros surgiu a ideia coletiva de levar o projeto Kayatibu para o mundo. LuizGa, no grupo, assume o baixo elétrico e o suporte técnico durante toda a digressão. Em 2022, os Kayatibu realizaram a primeira gira de concertos pela Europa para apresentar o álbum Ni Ishanai – Floresta do Futuro, passando por Lisboa e Porto. Em 2023, uma nova digressão europeia incluiu a cidade de Coimbra. As canções apresentadas no Salão Brazil, todas entoadas em língua indígena, são originárias dos antepassados e transmitidas de geração para geração, como explica Txana Tuin Huni Kuin. As temáticas abordam a história do povo Huni Kuin, a relação com os bichos, com a espiritualidade e a vivência na Floresta Amazônica. Para conhecer mais sobre o Kayatibu, a Rádio Pessoas conversou com Txana Tuin Huni Kuin, Yura Shane Huni Kuin e Shane Huni Kuin sobre a formação do grupo, a força da floresta e o contato com o público europeu. Rádio Pessoas: Como começou o projeto Kayatibu? Kayatibu (Yura Shane): Os Kayatibu são um grupo musical de jovens indígenas da Floresta Amazônica, no Brasil, e ao mesmo tempo é um centro de pesquisa cultural de juventude onde a gente trabalha com nossa cultura, fortalece as nossas músicas, aprende com outros músicos e leva também o nosso conhecimento para todos. RP: O projeto já existia dentro da comunidade e depois passou a receber diversos músicos para ministrarem oficinas, ensinarem sobre produção musical. Nesse contexto, o Luiz Gabriel começou a visitar a aldeia e fez isso diversas outras vezes até se juntar a vocês para concertos. Como foi esse encontro? Kayatibu (Yura Shane): Esse processo começou faz tempo, desde quando criamos o grupo já tinha esse projeto só que a gente não tinha apoio, não tinha oportunidade e não tinha acesso para desenvolver esse nosso projeto. Então, recebemos apoio do Itaú Cultural e recebemos um grupo de músicos do Rio de Janeiro, como o Luiz Gabriel e outras pessoas, para lá fazerem oficinas de músicas e tudo começou a se desenvolver. A partir daquele momento até hoje em dia fomos para vários lugares levando esse nosso conhecimento e nosso trabalho, mostrando que somos músicos indígenas trabalhando com espiritual e nossa ancestralidade. RP: As músicas que vocês cantam são muito ligadas à medicina da floresta, à espiritualidade, aos rituais. Como nascem essas músicas? Kayatibu (Txana Tuin): Essas músicas surgiram desde quando nós nascemos. Nós nascemos com a nossa música. Muitos anos atrás, a maioria dos povos Huni Kuins já cantava esse conhecimento. Nossa música fala sobre a paisagem, fala dos animais, de todos os seres vivos. Hoje em dia, a gente trabalha mais com os cantos de acordo com a pesquisa do meu pai, Ibã Huni Kuin, autor do projeto (e do livro) Espírito da Floresta. Meu pai pesquisou com o pai dele, que aprendeu com o seu pai e assim se desenvolve o resgate dessas músicas até que chegarmos hoje em dia. A gente conta nossa história, porque a história tem a ver com a música, e a música tem a ver com a história. Com a nossa música ancestral, contamos a nossa história. RP: Qual a sensação de mostrar a música e a história de vocês para o mundo? Kayatibu (Yura Shane): A gente sente vontade de mostrar nossa tradição, como hoje em dia a gente vive com a nossa floresta, com os nossos cantos, a nossa medicina, a nossa história. Porque as pessoas também precisam sentir de que maneira a gente está sentindo essa tradição, essa maneira de presentar a nossa cultura. RP: Como é apresentar essas canções pelo mundo? E como vocês são recebidos quando voltam para a aldeia? Kayatibu (Txana Tuin): A gente saiu de lá com nosso conhecimento, nossa história e a confiança do povo que sobrevive dentro da floresta. Quando a gente chega em outros lugares também conhecemos e sentimos a energia, porque cada lugar tem sua cultura sua tradição e sua energia de compartilhamento. Por exemplo, estamos aqui em Portugal vendo as coisas mais internacionais e vemos o sentimento mais positivo. Vemos todos se dando bem com a gente, gostando da nossa tradição, gostando das nossas apresentações. Quando a gente volta para a floresta, compartilha com eles, explicar tudo o que a gente viu, tudo o que a gente sentiu, a forma que fomos recebidos, e é assim que a gente vive na aldeia. RP: Como é levar para diversos palcos diferentes uma música que, tradicionalmente, vocês cantam nos rituais de medicina (Ayahuasca)? Kayatibu (Yura Shane): Nós dentro da aldeia trazemos esse canto, esse rezo ancestral com as medicinas. E trazer essa música para cá, fora da nossa comunidade, é completamente diferente. É uma força que a gente está trazendo da floresta e o público recebe e ajuda mais a Amazônia. As músicas são muito espirituais. Kayatibu (Txana Tuin): E outra coisa, quando a gente sobe no palco a gente sente e quer que eles recebam a cura, porque toda a energia que a gente traz da floresta é espiritual, curativo. Eu sinto muito, eu vejo muitas pessoas se emocionando e naquele momento que sentem a emoção já é uma cura. Quando estamos aqui fazendo esse tipo de apresentação da nossa tradição, dos nossos cantos ancestrais, já estamos fazendo a parte de cura, porque aquilo é o rezo, é o rezo sagrado. RP: O que significa Kayatibu? Kayatibu (Yura Shane): Kayatibu significa transformação da vida, é por isso que a gente canta as músicas ancestrais e espirituais. RP: E como a vida de vocês transformou desde que vocês começaram esse projeto? Kayatibu (Txana Tuin): A nossa vida se transformou na parte de musical, artística e espiritual. Hoje em dia, no mundo moderno, a gente convive com a nossa música tradicional e ao mesmo tempo aprendemos a desenvolver mais os cantos e os instrumentos. Nos trouxe a alegria, a paz, trouxe a sabedoria e o entendimento. Kayatibu (Yura Shane): Somos representantes dessa música, a gente representa a nossa cultura se transformando, se abrindo, se fortalecendo e queremos que todo mundo conheça nossa cultura, e saibam que os povos indígenas originários da Amazônia estão espalhando a cura no mundo.
1 Comentário
Josete Guariento
29/6/2023 06:37:33 pm
Parabéns!!!
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