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Coletivo Vozes no Mundo

3/5/2023

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A rápida ascensão do bolsonarismo não deixou suas marcas apenas no Brasil. A comunidade brasileira no exterior também reagiu ao processo que culminou na tomada de posse de Jair Messias Bolsonaro como o trigésimo oitavo presidente da República Federativa do Brasil, no dia 1º de janeiro de 2019. Portugal tem assistido ao grande crescimento da imigração brasileira ao longo dos anos da última década. Segundo dados de 2022, somam-se ao todo 252 mil brasileiros legalizados no país, com o distrito de Coimbra tendo a maior concentração relativa da nacionalidade. Como é de se esperar, os conflitos políticos do seu país de origem inevitavelmente provocam a organização internacional de muitos brasileiros que, ainda que distantes, têm ainda próximas as preocupações com os rumos da nação que mais tem representantes dentre os estrangeiros que decidiram fazer de Portugal seu novo lugar.

Aquando da eleição de Bolsonaro, muitos imigrantes brasileiros sentiram a necessidade de se organizarem para denunciar e resistir como pudessem a um governo de claros pendores autoritários e regressivos. Um desses coletivos, o Vozes no Mundo, é o tema do Frequenta desta semana.
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Surgido em dezembro de 2018, pouco depois da derrota de Haddad no segundo turno das presidenciais brasileiras, o Vozes no Mundo emerge como uma maneira de formalizar e dar nome a aglutinações espontâneas que já vinham se ensaiando desde os primeiros sinais de que o bolsonarismo viria para fincar os pés no cenário político brasileiro. Neli Beloti, uma das fundadoras, conta-nos que o principal objetivo do coletivo era denunciar a regressão antidemocrática que a eleição de Bolsonaro representou para o Brasil. “Foi uma tentativa de reproduzir a resistência democrática que se fazia no Brasil”, diz-nos.

Contudo, ao longo da sua existência, o coletivo passou a refletir a sua localidade, envolvendo-se na defesa dos direitos dos imigrantes brasileiros em território português. O coletivo foi também responsável por uma campanha de pressão pública direcionada às autoridades portuguesas, quando Rosi, uma imigrante brasileira recém-chegada a Portugal, desapareceu sob circunstâncias misteriosas até hoje sem esclarecimentos. A partir daí, Neli ressalta, o coletivo passou também a focar-se na situação do imigrante brasileiro, muitas vezes fragilizado, incapaz de exigir direitos relativos a acordos bilaterais entre Brasil e Portugal, e sem qualquer representação possível que possibilite o conhecimento de seus problemas pelas autoridades brasileiras competentes. Natalia Gomes, outra integrante da velha guarda do coletivo, sublinha que o Vozes no Mundo organizou um questionário com 197 perguntas sobre as condições imigratórias brasileiras, que se destinou a ser entregue a autoridades brasileiras como Anielle Franco, Marcelo Freixo na sua passagem por Portugal.


​Com a derrota de Bolsonaro, o coletivo, que teve sua motivação na resistência antibolsonarista, reinventou-se, e hoje é, para as entrevistadas, um coletivo de acolhimento a imigrantes. Para Natalia, esse acolhimento não deve apenas ser da alçada das igrejas brasileiras. A esquerda deve se esforçar por criar espaços para a receção e integração de novos imigrantes que venham tentar nova vida em Portugal. Afinal de contas, um imigrante, dependendo da sua situação, pode estar submetido a uma série de vulnerabilidades, como a exploração por conta da ilegalidade, a já conhecida desigualdade das propinas da Universidade de Coimbra, a desinformação quanto aos seus direitos.

Raoni Arraes, um membro um tanto mais recente, conta-nos como o coletivo é um espaço aonde ele “pode ser brasileiro”, e dar vazão ao seu sotaque nortenho sem a vergonha ou desentendimento de que pode ser alvo em espaços portugueses. “O Vozes no Mundo é um território brasileiro em Portugal”, e Raoni compreende que é importante ter tais espaços de referências comuns e unidade brasileira. Sua surpresa é nunca ter conhecido tanta gente do Brasil fora do Brasil graças ao Vozes no Mundo.

Já para Maria, o coletivo foi um alívio: “Aqui dá pra falar mal do Bolsonaro à vontade”. Ela tinha receio de mencionar suas críticas a Bolsonaro em alguns espaços, pois poderia encontrar algum bolsonarista violento e ter problemas. Conheceu o coletivo numa festa de Carnaval brasileiro, organizada pelo mesmo, e ficou não só pela política, como pelo espaço de debate político e a oportunidade de aprender com estudantes e artistas que participam.

As pequenas ações do coletivo têm reverberações misteriosas para Alex Lima. O seu acolhimento físico, psicológico, político e cultural traduz-se eventualmente em ações que acabam por criar uma rede espontânea de suporte para as pessoas que participam e adjacências. Todos concordam quando Neli diz que a coisa funciona muitas vezes espontaneamente, e a boa vontade de quem integra é tal que facilita a logística, possibilitando uma rápida e efetiva organização de seus eventos. Há pouco, começaram a organizar uma sessão de cinema no Liquidâmbar, em que exibem filmes relevantes para a discussão da política brasileira.
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​Além disso, o coletivo acaba por se tornar um espaço de encontro para artistas da cidade, como o é Alex Lima. Raoni e outros integrantes do coletivo acabaram por criar a Revista Baleia, que teve precursão justamente nos encontros poéticos que se davam no interior da rede do Vozes no Mundo. Não se trata apenas de um coletivo pontual, mas já se tornou uma grande família, que sobrevive e continua apesar da instabilidade inerente a uma cidade como Coimbra, que costuma ser apenas um lugar de passagem. Neli conta que a maioria dos antigos integrantes continua a sua relação com o coletivo através das redes sociais, e muitos, quando passam por Coimbra, fazem questão de aparecer nos seus eventos. Visto que é integrado por muitos estudantes, é um espaço aonde o conhecimento acadêmico adquirido na universidade pode “voltar às pessoas”, como formula Natalia, para quem a luta política não pode se resumir à academia e suas publicações, que tendem a isolar a investigação das pessoas que necessitam delas e apartar a investigadora numa “bolha que não é participativa”. 

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​De uma resposta à ascensão do bolsonarismo a um lugar de acolhimento e identidade para brasileiros de esquerda em Coimbra, o coletivo parece mais saúde do que nunca. Através das suas gerações, já passaram mais de 120 pessoais, muitas das quais retornaram e fizeram de Portugal suas casas. Acolhimento, identidade, política são palavras-chave para a compreensão do Vozes no Mundo. Como tudo que é vivo, o coletivo sobreviveu às suas primeiras condições com a força e saúde de seus integrantes, o sangue que dá ânimo à sua continuidade. Provou não ser apenas motivado pela resistência monotemática ao bolsonarismo, mas um nódulo de cultura e convívio brasileiro na cidade de Coimbra – como também uma grande, estendida família, que acolhe e acolherá muitos ainda. Longa vida ao coletivo Vozes no Mundo!

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Texto:   Pedro Ribeiro
​Fotografia:   Coletivo Vozes no Mundo

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