Os músicos João Morais - O Gajo - e Ricardo Vignini, apresentam o concerto de seu projeto "Terra Livre." Texto: Lilian Hening Dois instrumentistas talentosos separados por um oceano, se encontram nesta parceria criativa e trazem uma nova roupagem à música de viola. Um encontro que parece inusitado, mas se formos mais a fundo podemos perceber que nem tanto afinal, a viola campaniça, instrumento medieval da região do Alentejo, é uma parente ancestral da tradicional viola caipira, que por sua vez, chegou ao Brasil através dos portugueses e com o passar dos anos tornou-se um instrumento muito popular no cancioneiro brasileiro. Deste encontro musical nasceu o trabalho “Terra Livre”, álbum gravado em 2023 e que está em plena turnê de lançamento, que começou no Brasil, e agora chega a terras portuguesas. Conversamos com os músicos João Morais - aka O Gajo - e Ricardo Vignini, sobre este trabalho que conta com nove temas inéditos e autorais; que serão apresentados no Salão Brazil dia 04 de fevereiro. RÁDIO PESSOAS: A primeira pergunta não poderia ser outra, se não como se deu esta parceria, e este encontro de violas? RICARDO VIGNINI: Apesar de ter o contato com a música tradicional da viola caipira sou conhecido no Brasil pela inclusão da viola no rock e outros gêneros, me perguntava se em Portugal não teria ninguém que representava minha vertente, por volta de 2021 um amigo me apresentou um vídeo do O Gajo e me identifiquei por imediato, começamos a trocar mensagens que com o tempo passaram a ser ficheiros de áudio que resultou no álbum Terra Livre. JOÃO MORAIS: O primeiro passo foi dado pelo Ricardo, como ele conta. O que fiz depois foi conhecer o seu trabalho através das plataformas digitais. Gostei muito do que ouvi e identifiquei alguns pontos em comum com o que eu já fazia e achei que seria interessante cruzar as nossas violas. Lancei então o desafio ao Ricardo de tocar a sua Caipira numa das músicas do meu disco “Não Lugar” de 2023. Correu muito bem e apenas continuamos a enviar ficheiros áudio de um lado para o outro até termos material que já completava um disco. RÁDIO PESSOAS: Para além do instrumento a história de vocês tem algumas outras semelhanças, como o fato de ambos estarem ligados ao rock em determinados momentos de suas carreiras. A linguagem em comum facilitou o desenvolvimento do projeto Terra Livre? RICARDO VIGNINI: Com certeza, hoje somos ligados mais a música universal mas a memória do nosso passado no rock fica guardada no HD dos nossos cérebros que aparecem enquanto estamos fazendo arranjos, quando nos conhecemos pessoalmente vimos temos outras afinidades, ambos nascemos em 1973 e fomos influenciados pela mesma estética da época. JOÃO MORAIS: O facto de termos um background parecido ajudou muito, pois é como se o nosso trabalho com estes instrumentos tivesse sido construído sobre o mesmo alicerce. É uma espécie de partilha do mesmo ADN musical. RÁDIO PESSOAS: Vocês começaram esta turnê pelo Brasil, como foi a experiência de apresentar ao público brasileiro este instrumento tradicional português unido a viola caipira que é bastante popular no Brasil? RICARDO VIGNINI: Pouquíssimas vezes o brasileiro teve o contato com a viola Campaniça, apenas algumas vezes com o Pedro Mestre em turnê com o violeiro Chico Lobo, abrimos caminhos e tocamos para um público diferente, O Gajo também já tinha apreciadores do seu trabalho aqui, o saldo foi extremamente positivo. JOÃO MORAIS: Para mim, foi uma aventura no desconhecido. Ainda não tinha estado no Brasil e a melhor memória que trouxe para Portugal foram as pessoas que conheci e as recepções sempre calorosas que recebi. Correu muito bem. O Ricardo já tem um histórico musical que o público gosta e conhece e isso ajudou muito. O circuito de música instrumental também está bem vivo e as pessoas estão disponíveis para conhecer novos projetos. RÁDIO PESSOAS: O lançamento do álbum em vinil, além das plataformas digitais foi com o intuito de chegar a um público mais específico? Ou apenas uma vontade particular de se ter um registro especial deste trabalho? RICARDO VIGNINI: Temos 50 anos, começamos a ouvir música no vinil, que era nosso principal sonho de consumo da adolescência, vimos o surgimento do CD e agora do streaming, o vinil eu acho que é o ápice da materialização de um trabalho, para nós que somos jovens senhores o lançamento apenas nas plataformas digitais não nos satisfaz e o João (O Gajo) é um excelente artista gráfico que valoriza mais ainda o trabalho no vinil pelo espaço. JOÃO MORAIS: É muito importante continuarmos a fazer música como ela faz mais sentido para nós próprios, pois assim a motivação é maior. As plataformas digitais são sem dúvida o meio de maior expressão hoje em dia, mas o formato físico, na minha opinião, cria uma maior relação com o ouvinte. O Vinil traz também consigo uma componente gráfica que os outros formatos não trazem e como sou Designer por formação continuo a dar muita importância a esse formato pois conseguimos adicionar mais conceito ao trabalho musical. RÁDIO PESSOAS: O título Terra Livre, é também uma referência ao atual mundo globalizado, onde não existe mais fronteiras na comunicação? RICARDO VIGNINI: Quando o assunto da globalização veio a tona a coisa de 30 anos acho que as pessoas voltaram ao seu interior, isso coincide com a época que eu comecei a tocar viola, Terra Livre pode ter muitos sentidos, a música livre que criamos sem fronteira, os problemas com a demarcação de Terras Indígenas no Brasil e as guerras por territórios que se espalham pelo mundo. JOÃO MORAIS: Esta “Terra Livre” é numa primeira camada um território criativo sem fórmulas pré concebidas onde eu e o Ricardo atuamos. Depois há a relação com o mundo atual onde os conflitos derivam da ocupação de terras alheias. Esta “Terra Livre” é um grito pela liberdade num mundo cheio de intolerâncias. RÁDIO PESSOAS: Por fim, ao longo de 2024 vocês retomam seus projetos individuais, ou podemos aguardar novos temas e apresentações em parceria? RICARDO VIGNINI: Tanto eu como o O Gajo temos vários trabalhos musicais em paralelo, mas já temos uma nova turnê no Brasil no final de agosto e começo de setembro, sobre novos temas vamos ver o que os nossos dedos tem a dizer… JOÃO MORAIS: Depois da tourné em Portugal iremos com certeza voltar aos projectos individuais. Ainda teremos esse momento em Setembro de 2024 no Brasil e o que acontecerá depois disso só o futuro sabe. O nosso encontro foi muito espontâneo e o reencontro penso que terá de ser assim também.
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Quando música eletrônica ainda era majoritariamente masculina, Danykas DJ espalhou o seu afrohouse como missão. Texto: Keissy Carvelli Nascida numa casa cuja injeção musical era tão diária quanto diversa, Daniela da Silva Andrade, Danykas DJ, encarou sua trajetória no mundo da música eletrônica portuguesa como uma missão, um meio de inspiração para que outras mulheres pudessem também espalhar seus sets pelo universo ainda majoritariamente masculino. Foi em 2015 quando apresentou-se em público pela primeira vez, em Lisboa, o número de Djs mulheres não era capaz de completar os dedos de uma mão. Danykas viu, como afirma, «que era preciso ter um pouco daquele espírito revolucionário francês». E funcionou. De lá para cá, Danykas conta-nos que já não pode mais contar o número de sets nas pistas de dança conduzidos por suas irmãs, como ela se refere. Já há quase uma década nas pistas de dança, Danykas busca levar o público a uma viagem por ritmos do afrohouse e níveis diversos de beats. O background dessa viagem é, como revela, a mistura de sons e cheiros de sua infância e juventude no bairro social onde cresceu, em Oeiras. A viagem sonora de Danykas Dj fará sua primeira paragem em Coimbra no MATE, evento para o qual está «super entusiasmada, por ser uma cidade toda ela muito jovem». Entramos no mundo da Dj e conversamos sobre suas origens, seus processos criativos e sobre o que podemos esperar desta tão esperada apresentação no MATE. Só não dança quem não for. DANYKAS DJ apresenta-se no último dia do MATE, 24 de outubro, às 22h40 no Convento São Francisco. RÁDIO PESSOAS: Para começarmos a nossa conversa, quero saber um pouco da origem do nome artístico “Danykas”.
DANYKAS DJ: Essa será a primeira vez que falo sobre isso (risos). Meu nome é Daniela e, então, sempre fui chamada de Dani. Na infância e adolescência eu tive uma paixoneta por uma pessoa cuja alcunha era “Kikas”. Então, naquela brincadeira de criança de desenhar na areia da praia um coração com os dois nomes fiz uma junção de “Dani” com “Kas”, e virou “Danikas” (risos). RÁDIO PESSOAS: E como se dá o processo da Danykas DJ? DANYKAS DJ: Na altura da criação desse nome eu ainda não tinha muito interesse pelo mundo do DJ, mas eu tinha muito interesse pela música e tenho de culpar de maneira muito boa ao meio social em que fui criada. Eu nasci num bairro social e lá é indiscutível a oferta de muitas coisas, de sons, cheiros e tudo mais. Em casa, como também não podia faltar – meus pais são de origem caboverdiana –, tínhamos um consumo musical de segunda-feira a domingo. Foi em casa onde tive toda essa escola musical de música africana, árabe, música latina. Só depois, numa fase mais a frente, tive o contato com DJs, principalmente através do meu cunhado que era DJ. Mas foi em casa onde tive a primeira injeção daquilo que é a Danykas hoje enquanto difusora de música eletrônica africana. RP: E quando passas a se interessar e a trabalhar como DJ? DANYKAS DJ: Em 2011, através desse meu cunhado, é que já se surgiu a curiosidade pelo mundo Dj. Mas não tocava, só visualizava, tinha curiosidade. E mais a frente, em 2015, surgiu o meu primeiro convite para atuar como DJ, com público. Até aí eu era apenas uma DJ de quarto com meu computador e um software, o virtual dj (risos). Comecei a ver vídeos no Youtube sobre como misturar músicas usando só o software, e aquilo era uma infinidade de coisas que se podia fazer. Então, ia fazendo em casa, de uma maneira tranquila, também para analisar aquilo que me soava bem e podia potencialmente levar para frente, embora tivesse aquela bagagem de músicas sem fronteiras. Foi também uma forma de poder me aventurar. Em 2015, então, eu faço essa viagem do quarto para o palco. RP: De lá para cá, como você tem percebido à receptividade do público? DANYKAS DJ: Em 2015, quando iniciei, consigo dizer com meus quatro dedos a quantidade de Djs femininas que tinham cá. E de lá para cá – e só de falar eu já me arrepio – tem sido muito gratificante porque a recepção tem sido muito boa. Também na altura, talvez também porque não havia tanta DJ feminina, acabou tendo ali uma percepção de que havia uma revolução, porque é um mercado tão masculino, principalmente em Portugal. Daí para frente foi muito lindo, como crescimento pessoal e como difusão daquilo que pode ser a passadeira para outras colegas que, se calhar, também estavam dentro do quarto. É muito gratificante chegar alguém e me agradecer pelo que eu tenho feito. As pessoas passaram também a entender que há espaço para mais. RP: Como foi o desafio de se inserir nesse mercado, na altura predominantemente masculino, romper limites e encontrar seu lugar? DANYKAS DJ: Para mim foi muito desafiante, porque eu era muito dentro da minha conchinha. Entender também até que ponto eu podia estar confortável, o que acabou por ser minha missão, do tipo: vamos quebrar esses tabus porque a música é universal! Tentei levar isso como missão. Foi muito no lema do «vamos arriscar», e era necessário começar o movimento. Eu vi que era preciso ter um pouco daquele espírito revolucionário francês e funcionou. Hoje já não tenho dedos que digam a quantidade de outras irmãs que estão também numa luta e numa luta muito positiva – e é importante também ver essa dimensão de que é uma luta muito positiva. E entendermos que esse é um lugar para todos. A música, tão bela quanto ela é, quando partilhada dessa forma só temos a ganhar e fazer outras fusões e continuar a delinear isto que não tem ponto de fim. E passados já quase dez anos eu continuo com o mesmo espírito autossustentável e saudável para todos. RP: Como funciona o processo criativo quando estás a criar um set? Mais especificamente, como estás a preparar o set que veremos acontecer no MATE? DANYKAS DJ: A oferta musical que foi recebida em casa foi muito vasta. Também com meus cunhados DJs que ouviam muita música eletrônica. E para mim o fascínio na componente DJ foi muito através daí: como é que é possível, com gêneros tão diferentes, fazer a fusão de todos esses sons e criar algo que promova uma viagem? Eu, por norma, tento começar um set com coisas que são mais convidativas, mais baixinhas, depois vou começando a buscar sons da África que sejam mais baixas. Assim, tento levar as pessoas a irem pegar uma bebida, a cumprimentar o pessoal. E, depois, quando as pessoas dão por si no meio do set, já estão em outros patamares e já estão envolvidas. A minha viagem vai muito por aí, em termos de beats vai crescendo e depois já todos estão no espírito de ‘soltar a franga’ (risos). RP: Será sua primeira vez como DJ em Coimbra. Qual sua expectativa para esta viagem sonora que você irá proporcionar no MATE? DANYKAS DJ: Estou super entusiasmada com Coimbra, por ser uma cidade toda ela muito jovem. Estou muito ansiosa para poder difundir por aí o som e ver também como as pessoas podem se soltar e ver o elas estão abertas a receber. Acredito que se tivermos o espírito aberto as coisas podem ser muito bonitas. Vou oferecer algo muito bonito para que possam entender que os sons podem chegar a qualquer lado com o mesmo encanto. Vou com esse espírito de compartilhar e criar coisas boas. Vai ser um momento muito importante para fazer conexões e levar avante a minha música e ver o que pode surgir a partir disso. RP: Falas sobre as conexões e um dos princípios do MATE é justamente proporcionar encontros e conexões entre artistas, público e territórios diferentes. Como pensa a importância disso? DANYKAS DJ: Para mim, é importante o fator conexão. Porque a conexão é que vai te levar a outros pontos. Um evento como o MATE é muito necessário cá em Portugal. Porque, como costumo dizer, o convite para tocar é fácil, mas há o componente da conexão que não é só sobre receber o convite para tocar. Estou muito ansiosa! RP: Para finalizar: como defines quem é, ou o que é, a Danykas DJ: DANYKAS DJ: Danykas é alguém que quer espalhar muito o que é a beleza da música, da arte mais completamente. E é uma aventureira! De uma forma muito simples e muito honesta, essa é a Danykas. Carlos “Caribombo” Guillen, DJ venezuelano radicado na França, estreia em Portugal e traz suas conexões sonoras para o MATE Festival. Texto: Keissy Carvelli O MATE está a apontar na agenda e já é possível sentir a vibração dos encontros musicais e criativos que integrarão os quatro dias de concertos, workshops e momentos inspiradores. No cenário musical, a junção entre o ritmo latino e a música eletrônica estará na ponta da agulha de Carlos “Caribombo” Guillen, DJ venezuelano radicado na França responsável por criar uma fusão entre cumbia, afrobeat e house music que certamente fará Coimbra dançar mais e melhor. Em busca de fazer as pessoas mais felizes, como o próprio DJ deixa transparecer, Caribombo se apresenta pela primeira vez em Portugal e traz na bagagem a essência do MATE: um trabalho pautado em conexões e encontros com diferentes pessoas ao redor do mundo. Em fase final de produção de um novo EP ainda sem título, Carlos Guillen conversou com o MATE sobre a sua trajetória e as expectativas para sua estreia neste festival que, como ele, tem na origem a vibração latino-americana. RÁDIO PESSOAS: Como se deu o seu processo de se tornar DJ? Quando começa o seu trabalho nesta área da música?
CARIBOMBO: Eu tenho 44 anos. Eu comecei há 20 anos como DJ em minha cidade, chamada Maracaibo, na Venezuela. Maracaibo foi a cidade onde eu nasci e comecei a fazer este tipo de trabalho conciliando a música e o meu curso universitário, ao mesmo tempo. Eu gosto muito do movimento urbano de hip hop dos anos 1990 e 2000 e então comecei a fazer scratch e penso que uso isso, na verdade, como instrumento. Eu tentei fazer isso com tudo o que eu sei sobre house music. Foi a primeira música dance que ouvi e gostei, junto do techno, drum and bass. Mas penso que o latin deep house foi a primeira coisa com a qual me envolvi. RP: E sobre ‘Caribombo’. Qual é a história por trás deste nome? CARIBOMBO: Eu comecei como DJ com um outro projeto, ‘Don Beto’. Então, depois veio o Caribombo. ‘Cari’ é ‘Caribe’ em espanhol. E quando digo ‘bombo’ eu digo algo como uma batida. Eu tentei juntar duas palavras para formar uma palavra original. É tipo um poema, algo que não existe. Eu tentei encontrar algo no google que ninguém usasse e, então, pensei que ‘Caribombo’ era realmente interessante para uma breve descrição a respeito da música caribenha e da batida da música eletrônica. Eu penso que é uma palavra muito legal! RP: Será também lançado, em breve, o seu novo EP. Como foi o processo de produção dele? CARIBOMBO: Eu ainda não sei o nome que darei a ele, mas eu penso em algo que seja popular. Popular como um bairro da minha cidade, algo assim. Serão 10 faixas e eu tentei fazer algo com africanos, colombianos, pessoas do mundo todo, na verdade. Eu trabalhei muito nisso no estúdio em minha própria casa, então trabalhei muito à distância em muitos níveis e com muitos amigos. Eu tentei fazer algo novo com a energia de muitas pessoas e colaborações. RP: Que tipo de sonoridade poderemos encontrar no EP? CARIBOMBO: A definição da minha música é ser global. É algo realmente global, mas sempre com uma tradição da música eletrônica americana. Mas, desta vez, este álbum está diferente. Tem muito reggae, muita cumbia, afrobeat e penso que tem um pouco de rock também, uma fusão entre o afrobeat e o rock. Penso que será diferente do que já fiz e penso que será um álbum muito interessante. RP: A partir do que dizes, podemos perceber que as conexões e as parcerias estão sempre presentes no seu trabalho. Como se dá o seu processo criativo? Qual é a busca que te motivas quando estás a criar músicas? CARIBOMBO: Quando eu me mudei para a França eu conheci muitas pessoas da África e quando eu fiz meu primeiro álbum eu estava na Venezuela. Quando eu morava na Venezuela era diferente porque eu podia comer minha manga, podia conversar com a minha irmã, com a minha mãe, com minha família e supostamente eu podia fazer a minha música tropical. Quando eu vim para a França eu tive outra perspectiva. Mas do mesmo ‘modo tropical’, embora seja diferente porque tive outra interpretação da vida aqui e tentei me adaptar. Neste álbum, então, é algo como uma câmera de cores, tudo vai depender a vibração. RP: Quais as expectativas em relação ao MATE? Principalmente por se tratar de um contexto específico de encontro, em Coimbra, entre artistas e pessoas criativas de vários lugares do mundo. Qual sua sensação prévia para este encontro? CARIBOMBO: Eu estou realmente muito feliz. Eu conheço o Porto, mas é a primeira vez que vou tocar em Portugal e acho que será surpreendente. Eu preparei um DJ set 100% composto por minhas músicas, meus remixes. Eu quero me expressar completamente através da minha música. RP: Estamos ansiosos por ouvir! CARIBOMBO: Eu estou mesmo muito feliz por participar do MATE, principalmente quando soube que é um Festival que tem origem no Brasil e passará por lá. Eu acho que toda essa energia latina é o que queremos sempre encontrar. Vamos ter dias muito bons! RP: Para terminar esta conversa: podes resumir em poucas palavras qual é a linguagem do Caribombo? Ou melhor, o que é Caribombo? CARIBOMBO: Caribombo é apenas um ser humano tentando fazer as pessoas felizes. Você sabe, há muitos problemas ao redor do mundo e eu penso que muitos artistas tentam fazer o melhor para que as pessoas possam dançar e ser felizes. Eu tento fazer música e tento fazer as pessoas sorrirem. Magupi apresenta-se no MATE Festival no dia 22 de outubro Texto: Keissy Carvelli Marcio Pinto, criador do projeto Magupi, traz na sua bagagem musical uma licenciatura em percussão erudita, uma pesquisa em Burkina Faso para estudo do balafon, e uma experiência de quase uma década como músico de bandas de world music, como a aclamada Terrakota e OliveTreeDance. Essa trajetória toma novos rumos em 2018, quando muda-se do Porto para Lisboa e se vê completamente só no estúdio com seus instrumentos. É diante desse cenário que tem o input de criar um projeto próprio a partir de instrumentos acústicos – principalmente a marimba e os tambores africanos – com a música eletrônica. Assim nasce Magupi, uma viagem do estúdio para a estrada em que pesa a sensualidade, a dança e os ritmos que misturam a raiz africana acústica aos beats originais. A estreia do projeto, no Boom Festival no verão do mesmo ano, não poderia ter sido melhor. De lá para cá, nesta evolução de ritmos, são mais de sessenta músicas gravadas, além de diversas parcerias. Da última parceria com o músico brasileiro LuizGa surgiram dois singles lançados em agosto deste ano e disponíveis nas plataformas digitais: Arqueiro voador e O tesão tá vivo em mim. Presença confirmada no MATE, Magupi promete uma viagem inesquecível para todos os corpos dispostos à dança. Até lá, ficamos a saber um pouco mais sobre o percurso criativo deste multifacetado músico. Magupi conta-nos os detalhes e as intenções deste projeto musical que certamente levará o público de Coimbra para os lugares mais sensuais do ritmo eletrônico. MATE: Qual a origem de Magupi e como se dá o processo de criação deste projeto?
MAGUPI: O meu passado é muito na formação clássica, academicamente falando. Eu iniciei estudos clássicos na percussão, incluindo a marimba. A partir deste instrumento, eu visitei África para o estudo do balafon e aí surgiu a oportunidade de misturar os instrumentos acústicos – principalmente a marimba e depois os tambores, djembé e congas – com a música eletrônica, com beats criados por mim. Isso passou do estúdio para a estrada. Magupi essencialmente é essa mistura entre a raiz africana acústica com o grande fundamento do balafon e da percussão africana – esse é o grande elemento de Magupi. RÁDIO PESSOAS: Essa pesquisa começa quando? MAGUPI: Minha pesquisa começa no ano de 2010, quando fui pela primeira vez ao Burkina Faso, já após terminar a licenciatura de percussão erudita, portanto mais focada para a orquestra, para a leitura. Já fui para a África com esse conhecimento da música, o que me facilitou bastante. Mas Magupi surgiu em 2018. RP: E qual foi o ponto de viragem para a criação do projeto Magupi em 2018? MAGUPI: Já após essa formação clássica, de 2010 até 2018 fiz parte de grandes bandas de world music, como a Terrakota, que mistura instrumentos de todo o mundo. Em 2018, mudei do Porto para Lisboa e em Lisboa dei por mim sozinho, só em um estúdio, sem ter a minha família musical que eu tinha no Porto, onde eu estava sempre ocupado com algum projeto. Tive um tempo bastante sozinho e comecei a gravar a mim próprio e a esses instrumentos, começando pela marimba, pelo balafon e tentando, acima de tudo, criar um projeto de música eletrônica, mas com a grande componente acústica e até deixar isso bem-marcado como a imagem de Magupi: tocar a marimba ao vivo. Também com o Boom Festival, no verão de 2018, onde toquei pela primeira vez e foi onde tive o input necessário para me preparar e me apresentar ao vivo. E a partir daí foi sempre uma evolução com ritmos e aqui estou eu, com 60 músicas lançadas e já uma agenda considerável. RP: Por falar em músicas lançadas, acabam de serem lançadas duas músicas junto do LuizGa, o que também já te inseres no mundo da música brasileira. Como é que funciona e qual a importância dessas conexões musicais entre Magupi e outros músicos tão diversos? E como se dá também essa experiência de misturar o seu som eletrônico com canções (com letras, canto, etc.) de outros músicos? MAGUPI: Essas conexões são muito importantes para mim. O Luiz Gabriel conhece a mim desde que eu era músico de bandas, portanto de bandas com cantores, com letras, com canções mesmo. É o meu passado, eu faço parte desse mundo da canção, embora eu não use a voz. E a nossa conexão foi já há uma década, das primeiras vezes que ele veio para Portugal, mas nunca havíamos cruzado ideias musicais até o ano passado em que fomos ao estúdio improvisado em Lisboa e gravámos uma ideia e logo fizemos outra canção. Foi uma experiência muito agradável, porque nestes últimos anos fui entrando mais na onda da música eletrônica, mais pista de dança, mais digital e agora voltar a produzir música assim, cantada, exige outro tipo de sensibilidade, de dinâmica. Foi uma boa lição de produção para além da emoção. RP: E como se deu essa transição de performance no palco de músico sempre acompanhado por banda para a apresentação de Magupi em que estás só no palco a comandar toda a pista? MAGUPI: Em relação ao processo criativo, eu levei muita chapada por ser o tal músico formado, porque na música eletrônica há um pensamento um pouco oposto, porque o músico está habituado a um acontecimento a cada poucos segundos e a música eletrônica há realmente o pensamento de loop, de apenas escolher uma parte do que é uma grande frase e um pequeno trecho dessa frase faz a música eletrônica. E o meu processo criativo no início foi essa ansiedade musical de criar diversas partes da música, era muito natural no início e tive muitas críticas positivas, mesmo sendo elas negativas. Amigos diziam que eu estava no bom caminho, mas que havia muita informação ao mesmo tempo, o que daria para fazer dez músicas. E em relação à performance, é uma responsabilidade diferente. Sinto uma grande responsabilidade enquanto produtor e performer e Dj, sinto uma maior pressão por estar sozinho no palco rodeado de centenas de pessoas. RP: Sua primeira apresentação foi no contexto de Festival, no Boom. E agora chegas pela primeira vez em Coimbra também para apresentar o seu projeto num festival, no MATE. Como tu te relacionas com esse ambiente de festival e qual a expectativa para essa ocasião? MAGUPI: Já toquei em Coimbra, mas nunca como o Magupi. E Festivais em Portugal ainda há muito pouco comparado com festas maiores que tenho tocado fora daqui. E sempre que vou a um festival espero mais essa relação familiar, porque é uma festa que acontece em várias etapas, com diferentes atividades. Eu fico sempre curioso por conhecer o espaço do festival, as atividades todas. Eu espero sempre ter tempo para fazer isso, para também ter uma leitura do público e possivelmente mudar algo de acordo com o que encontro, e isso num festival há sempre tempo para fazer. Também é um espaço de construção em que há mais ligação emocional até com quem recebe a mim enquanto artista. RP: Qual a busca principal quando tu te propões a fazer música? Isso para sabermos: o que podemos esperar de MAGUPI na apresentação no MATE? MAGUPI: Quando eu produzo uma música, no estúdio, é claro que espero sempre que as pessoas possam cantar a melodia rapidamente. Isso é o que eu quero sempre, que tenha esse impacto. E depois algo mais espiritual, aquilo que leva para uma profunda entrega na dança, na viagem cultural e espiritual. Espero logo das pessoas uma vibração até descontrolada – porque acontece algumas vezes. RP: Conectar as pessoas é um dos princípios do MATE. Como vês essa conexão entre artista e público que se instaura na pista de dança quando estás a se apresentar? MAGUPI: Eu tenho isso muito natural em mim, uma vez que já fiz dez anos e uma centena de concertos pelo mundo todo com a banda OliveTreeDance, inclusive numa grande turnê pelo Brasil passando pelo festival Universo Paralelo. E esse projeto era muito de performance, de ir buscar qualquer intenção de algumas pessoas no público e realmente começar a dizer palhaçadas, mas no sentido da interação energética enquanto performance de percussão, braços, corpo. E eu agora tenho isso muito em mim: realmente subo ao palco e tento captar atenção, mas obviamente nem sempre isso acontece. RP: Para o público de Coimbra que não conhece Magupi: o que é Magupi? Qual a linguagem de Magupi? MAGUPI: Reduzir tudo isso numa palavra é difícil, mas acho que eu traduziria em uma palavra que é sensualidade. Muitas palavras se encaixariam aqui, mas é uma palavra que gosto e acho que é a palavra número um. João Morais, criador do projeto O Gajo, reinventa a viola campaniça sem perder a filosofia punk. Músico apresenta-se no MATE Festival no dia 21 de outubro. Texto: Keissy Carvelli Quem ouve Não lugar (2023), mais recente álbum d’O Gajo, percebe logo uma imagem sonora que transita entre raízes muito distintas. Do folclore português, traço evidente pelo instrumento principal d’O Gajo – a viola campaniça tradicionalmente alentejana – às raízes árabes e islâmicas, passando por um bonito diálogo com a viola caipira brasileira, as composições deste lisboeta demarcam, acima de tudo, um novo caminho para a música portuguesa. Deste transe sonoro, a inevitável constatação: O Gajo é world music com certeza. E terá vez no coração de Coimbra com um esperado concerto dentro da programação do MATE, no dia 21 de outubro, às 16h30, no Museu Nacional de Machado de Castro. Antes disso, adentramos ao mundo particular do violeiro mais punk de Portugal e procuramos saber um pouco mais sobre as nuances que compõem a trajetória artística deste lisboeta apaixonado pelas experimentações sonoras.
Rádio Pessoas: Como se deu esse processo que o leva de uma raiz punk rock para a música criada partir de um instrumento tão tradicional como a viola campaniça? O Gajo: Comecei pelo rock porque obviamente foi uma coisa que cruzei na escola. Andei por esse circuito do punk rock por 30 anos, portanto já vou avançar 30 anos na história e aí vou procurando outras referências musicais e uma das referências que vai ficando mais fincada é a world music. Por que do mundo? Por causa da sua geografia. Os projetos desse circuito têm a característica de trazer para o palco qualquer coisa do seu país de origem. Eu comecei a questionar de que forma eu poderia ter essa componente de poder ter algo do meu país de origem para mostrar nos palcos por onde eu passar. Eu andava a tocar guitarras americanas e, portanto, isso não correspondia àquilo que, na altura, eu andava à procura. E foi então que eu comecei uma pesquisa, cá em Portugal, pelos cordofones tradicionais, não especificamente um em particular, só estava a tentar perceber o que Portugal tinha, comecei mesmo do zero. Então me encontrei com um tocador de viola campaniça e então perguntei que viola era aquela, porque eu nem sabia o nome, onde eu encontrava uma daquela. Ele me indicou um construtor, porque cada um é feito à sua medida, o que é uma componente também desse instrumento, ele é mesmo só nosso e soa só aquilo que fizermos. E assim me aproximei e me agarrei um bocadinho a isso porque achei a história forte. Larguei a minha guitarra elétrica e passei a tocar a viola campaniça, uma viola tradicional da zona do Alentejo para acompanhar os cantares alentejanos. E eu não sou alentejano, então eu trouxe a viola para Lisboa e ela é quem se adaptou à minha realidade mais urbana, mais contemporânea. E por isso essa viola não tem o sotaque, o toque da viola alentejana. E ela mudou, os tons e agora ela soa algo que pode ser um pouco de Alentejo, um pouco de Portugal e um pouco de minhas referências. RP: Como se dá esse processo de criação e pesquisa de extrair dessa viola uma linguagem sua, própria e particular? OG: Eu acho que acima de tudo o primeiro ingrediente é uma mente muita aberta e uma vontade de criar sem barreiras, sem fórmulas, sem regras. Há aqui uma componente interessante, isto que tenho que me reportar à primeira coisa que fiz com a viola. E sei exatamente o momento, porque foi quando eu estava fazendo a primeira música fui contactado por Tiago Pereira, que tem feito uma pesquisa grande aqui das nossas referências tradicionais, e ele quis filmar o que eu estava a fazer. E eu fiz, e aquilo ficou gravado. O que é curioso é que sem procurar nada naquele momento, o que saiu foi algo que me transportou não para as raízes portuguesas, mas para raízes mais atrás, talvez para o mundo árabe, as referências islâmicas que por aqui andaram ao longo desse país, dessa península, desse Mediterrâneo todo. E essa é uma pergunta que tem de ser feita para a viola, porque é ela quem me orienta. Eu realmente acho que ela tem um som particular que me direciona. É muito natural, é uma coisa que eu não forço. RP: Como você se relaciona com as conexões artísticas que se dão em festivais e eventos culturais como o MATE? OG: Eu sou uma pessoa muito social, gosto de falar, acho que a música me salvou em vários níveis e um deles foi a nível social. Eu era muito tímido e a música me expandiu enquanto ser humano e conheci muita gente desde então. E agora quando comecei a ter oportunidade de fazer coisas como o MATE, por exemplo, eu volto para casa diferente para melhor. O meu projeto é a solo, estou mesmo sempre sozinho, então quando tenho a oportunidade de cruzar com outros projetos como no MATE eu fico sempre muito agradecido porque tenho a oportunidade de criar mais colaborações. Os meus discos são cheios dessas relações, desses cruzamentos. RP: O que o público do MATE Coimbra pode esperar do concerto que irá apresentar? OG: Um concerto é sempre um apanhado do melhor, uma espécie de um best off, eu estou a me preparar já para o concerto. E como sei que é um evento que é importante nesse sentido das conexões que podemos fazer, então estou ajustando tudo para que o concerto seja essa coisa fluida que leve a mim e as pessoas a que estiverem a assistir a uma boa viagem. RP: Há projetos previstos para este ano? OG: O disco Não lugar é de 2023, e eu sempre tento esperar seis meses até começar a trabalhar em coisas novas. Mas, neste caso específico, um dos RP: Como você define O Gajo? OG: É uma viola campaniça, e ela é a grande protagonista do projeto, sem fronteiras, sem regras, uma viola campaniça punk, porque ela faz o que a apetece, numa questão mais de filosofia de não ficarmos enclausurado num quadrado. |