Forró dançante e debochado de Getúlio Abelha aterrissa no Salão Brazil em setembro para primeira turnê internacional. Texto: Keissy Carvelli Fotos: Sillas h. Ao definir-se como «um furacão», Getúlio Abelha diz muito sobre a força de sua música e de sua performance, uma mistura fina de forró, temáticas LGBTQIA+ e beats contemporâneos. É este o lugar de invenção do músico nascido no Piauí, radicado no Ceará e, mais recentemente, instalado em São Paulo, de onde tem partido para incendiar a cena dos maiores festivais brasileiros. Sem receio de ousar e de experimentar sonoridades, o compositor afirma-se como pertencente ao grande movimento do forró, ainda que assuma caminhar numa via paralela à grande indústria que move um dos gêneros musicais nordestinos mais difundidos mundialmente. Getúlio Abelha sobe ao palco do Salão Brazil, no dia 29 de setembro, para apresentar o disco Marmota (2021). Já ansioso pela sua estreia internacional, Abelha espera cativar o público com o seu deboche que, acima de tudo, traz mensagens contra a homofobia e a favor da liberdade, da dança, e da ousadia, elementos indispensáveis nos dias de hoje. Antes de aterrissar em Portugal, o furacão Getúlio conversou com a Rádio Pessoas. Confiram! Rádio Pessoas: Antes de tudo, há aqui uma curiosidade imensa: qual a história por trás do seu nome artístico “Abelha”? Getúlio Abelha: Eu decidi colocar “Abelha” porque é o sobrenome artístico de uma cantora de Forró que integrou a banda Calcinha Preta [trata-se de Paulinha Abelha, cuja morte prematura, em 2022, impactou o mundo do forró]. Eu quis criar um nome que não fosse negar que minha maior influência é o forró, então escolhi essa diva, porque fui apaixonado por ela desde novinho. Acho também que o nome é alto-astral. RP: É nítida a influência do Forró na sua musicalidade, embora você o leve o para um outro lugar com suas letras, seus videoclipes. Como você construiu essa musicalidade? GA: Sou dessa geração que começou a debater muitas questões, principalmente as de LGBTfobia. A minha vivência própria não era a vivência que aparecia nas letras de Forró, mas a minha vivência musical era o Forró. Sou um artista muito curioso, tento buscar coisas novas, coisas que não estão sendo feitas ainda e encontrei a oportunidade perfeita para misturar esse estilo musical com temas e com experimentos novos que não existia ainda. Isso me motivava. Mas eu também não digo que tenho ‘apenas’ influência do Forró, eu gosto de bater na tecla de que realmente eu faço Forró. Principalmente, porque penso nas bandas que surgiram nos anos 1990, como Calcinha Preta, Magníficos, Limão com Mel, elas em algum momento foram consideradas estranhas em relação ao Forró feito por Luiz Gonzaga, por exemplo. Certa vez, um jornalista afirmou que eu não fazia forró. Eu respondi que diziam essa mesma coisa sobre essas bandas que colocaram teclado, guitarra, baixo e bateria no lugar da sanfona, zabumba e do triângulo. Estou levando o Forró para outro lugar e isso me interessa de todas as formas, sonoramente e esteticamente. RP: Quando você passou a difundir sua música, inicialmente no Ceará, como você sentiu a recepção do público e da indústria da música em relação a essa sua linguagem própria dentro do Forró? GA: Eu sinto que a recepção do público, em geral, é sempre bem melhor do que a recepção da indústria do Forró. Nunca fiz parte desse circuito. Mas o público em si, principalmente o cearense, me abraçou muito facilmente desde o primeiro videoclipe. Também porque eu decidi fazer tudo de um lugar muito bem-humorado e o Ceará tem essa tradição do humor, da leveza, do auto deboche, o que facilitou muito. Porque por mais que eu fale de temas muito sérios em algumas músicas, eu acredito que a dose de humor que eu coloco ali disfarça muito e faz com que as pessoas escutem absurdos sem nem perceber. RP: O deboche e o humor são muito presentes nas suas letras. Esse traço é reforçado principalmente nos videoclipes que você faz, nas narrativas que você cria, que são, a propósito, muito particulares na linguagem, nos recursos utilizados. Como surge essa sua relação com o cinema pela via dos videoclipes? GA: Eu escolhi fazer a música não puramente pela música, apesar de ser um lugar que eu amo. Mas eu vi na música um lugar onde eu poderia expressar todas as linguagens. Então, me considero cantor tanto quanto diretor, tanto quanto performer e compositor. E aí certamente o videoclipe é o lugar onde eu posso trabalhar tudo o que eu quero, além de só escrever e cantar uma música. O videoclipe eu posso criar imagens, narrativas, figurinos. Então, para mim, foi algo que veio junto com a música. Quando eu crio uma música eu já tenho em mente também as cenas que eu quero criar. RP: E esse traço de humor, foi proposital, planejado, ou surge de um processo natural? GA: Eu preciso dessa explosão e acho que o humor é a maneira que eu encontro de ser mais delicado para falar verdades, torna tudo mais leve. O humor é esse lugar natural, faz parte de mim, da minha personalidade. Mas tenho tido a impressão de que estou me expondo menos a esse lugar de deboche, que estou ficando mais sério do que já fui um dia. Mas não quero perder isso. RP: Como se dá o processo do Getúlio compositor? Lembra-se de quando começou a compor e de como chegou ao compositor que é agora?
GA: Desde muito jovem eu gostava de fazer poemas. E adolescente eu comecei a brincar de fazer muitas paródias, mas tinha muita pornografia. O tempo foi passando e eu entrei no teatro, a Universidade deu uma filtrada em algumas coisas e quando eu decidi abandonar o curso e os espetáculos e focar na música eu encontrei o equilíbrio das sacadas certas, do humor, das críticas. RP: E atualmente em que fase está esse seu processo criativo? GA: Agora estou começando a elaborar um segundo álbum e estou tentando partir do instrumental, depois melodia, e aí escrever as letras. RP: Vem álbum novo por aí, então. Já tem uma previsão de quando será lançado? GA: Estamos tentando fazer tudo mais rápido, em outro tempo. Ainda não tem título, porque ainda não sei exatamente sobre o que eu quero falar, por isso as letras vão ficar para o final. Estou muito livre e criativo na questão sonora. A ideia que tenho por trás é um Frankenstein, porque quero trazer vários estilos musicais, forró com funk, forró com emo, forró com dance. Quero experimentar isso, criar um monstro de materiais diferentes. RP: O que o público de Coimbra e do Salão Brazil pode esperar do seu concerto e da sua performance? GA: É a primeira vez que faço show fora do Brasil, estou um pouco nervoso, mas eu tenho uma bagagem de performances muito legal. Vou gostar da possibilidade de fazer um show mais próximo das pessoas, como no Salão Brazil. Eu só preciso entender como vou distribuir toda a minha energia no show todo, para não ficar um furacão o tempo todo (risos). RP: Você tem esse ímpeto do novo, de experimentar sonoridades novas no Forró. Surge como reflexão para você a questão: o que é possível ainda fazer de novo dentro do Forró? GA: Eu me sinto muito tranquila quanto a isso. Inclusive, acho que não tenho tido tempo para fazer tudo o que eu quero fazer. Eu não tenho medo, eu acho realmente infinitas as possibilidades, mesmo na linha da indústria do Forró tradicional, super heterossexual, eles próprios estão fazendo coisas novas, com batidas novas. É infinito. Se o mainstream consegue experimentar coisas novas, imagina eu que sou do submundo disposta a experimentar sem medo. RP: O Forró é infinito? GA: O Forró é infinito, até porque eu não considero Forró só um estilo musical, é um acontecimento, é uma cultura com vários estilos. RP: E, para finalizar, como você próprio define o Getúlio Abelha? GA: Sou um furacão.
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Pianista carioca cruza as fronteiras do óbvio com estilo urban jazz e estética afrofuturista. Texto: Keissy Carvelli Nascido e criado no subúrbio do Rio de Janeiro, em Madureira, o músico Jonathan Ferr cruzou as fronteiras do óbvio e não só deu novo frescor à música brasileira como também mostrou ser possível transar jazz, hip hop, música eletrônica, moda e cinema. Desde 2019, com a chegada ao mundo do seu primeiro álbum, Trilogia do amor, Jonathan Ferr vem mostrando ao mundo a sua capacidade de reinventar as sonoridades, de inspirar espiritualidades e de conquistar um público amplo, aficionado ou não pelo jazz. Em Liberdade (2023), álbum recém-lançado, o pianista deu mais um passo na reinvenção do jazz. A partir de beats sampleados do seu segundo álbum, Cura (2021), criou ritmos dançantes junto de artistas como Kaê Guajajara, Luedji Luna, Rashid, Tuyo e mostrou, mais uma vez, seu poder ilimitado para a criação. Interessado na constante inovação, o músico carioca subiu ao palco do Salão Brazil na última quinta-feira (3) para uma apresentação em piano solo do álbum Cura (2021). Antes do concerto, Jonathan Feer conversou com a Rádio Pessoas sobre o seu urban jazz afrofuturista, sobre a relação entre música e espiritualidade e deu spoiler da sua próxima curiosíssima invenção: um disco só com releituras de canções da banda Charlie Brown Jr! Rádio Pessoas: Ao observar a sua discografia, percebo uma certa transformação do primeiro disco, o Trilogia do Amor (2019), cuja sonoridade jazzística é muito particular, passando por Cura (2021), até chegar no disco mais recente, Liberdade (2013), em que há uma série de parcerias com nomes do hip hop como o Rashid, por exemplo. Como se dá esse percurso do primeiro disco para este atual? Jonathan Ferr: Essa discografia fala muito de fotografias minhas, do meu mood. Eu começo realmente buscando uma coisa mais jazzística, mas um jazz que fosse diferente. Eu sou um músico que venho de Madureira, do subúrbio do Rio, com uma história muito diferente da história de outros músicos que estavam no Leblon e em Copacabana tendo acesso a muitas outras coisas que eu não tinha. Então, eu resolvi assumir esse lugar e essa realidade que me contemplava. Fui rodeado pelo lugar que é o berço do samba, onde tem o famoso Baile Charme de Madureira de black music, um lugar que tem o jongo da Serrinha. Eu quis trazer todas essas referências, algumas mais óbvias outras menos, e afirmar o meu som como algo diferente do que estava posto, porque todos os eventos de jazz que eu ia tinham os mesmos temas tocados do mesmo modo e eu intuía que havia novos caminhos para serem percorridos e eu queria percorrer esses caminhos. Eu quis, então, afirmar uma nova forma de pensar o jazz que foi o Urban Jazz, e então vem o Trilogia do Amor. Neste primeiro álbum, de alguma maneira, já tem um link com o álbum Liberdade. Já existe um caminho iniciado ali. Em 2020, com a pandemia, eu comecei a compor algumas canções em piano solo para me curar e me expressar mesmo. Logo em seguida, eu assino contrato com a gravadora Som Livre e eles perguntam se eu tenho algum projeto de disco e eu falo dessas composições em piano solo, que eu pensava ser algo a ser feito após dez anos de carreira apenas. E de repente saiu o álbum Cura, que foi e tem sido um grande sucesso. E ali está um Jonathan mais intimista, mas é o mesmo Jonathan de Trilogia do Amor e o mesmo Jonathan que está se mostrando em Liberdade, até porque em Liberdade eu sampleei o disco Cura, fiz alguns beats e chamei alguns artistas para poderem rimar em cima dessas batidas. Então, de alguma maneira está tudo interligado. RP: E como você percebe as diferenças entre os álbuns Cura e Liberdade? JF: Cura é o álbum Lunar, é o álbum da noite, é um álbum que evoca um mergulho nos nossos mistérios, na noite, no sonhar, intuir, nos mistérios da noite, das estrelas. Enquanto em Liberdade evoco o amanhecer que traz o sol, depois de ter me curado eu me emancipo e me liberto. Esses discos eu considero discos meio gêmeos, embora estilisticamente eles tenham uma caminhada e uma busca diferente. RP: Há uma relação muito próxima também dos discos com uma busca pela espiritualidade, pela liberdade. Como você vê isso? JF: Eu faço meus discos sempre pensando a partir dos meus processos espirituais. Cura foi assim, Trilogia do Amor também foi um processo de pensar a energia cósmica que todo mundo tem. Também o disco Liberdade foi pensado a partir da ideia de emancipação, de como eu emancipo o meu ser e o meu espírito. Tem uma frase do Nietzsche que eu gosto muito que diz “nunca é alto o preço a se pagar pelo privilégio de pertencer a si mesmo”, e é nisso que eu tenho acreditado, porque eu acredito que quanto mais emancipado nós estivermos, mais iluminado nós estivermos, mais poderemos iluminar outras pessoas e fazer um processo de transformação desse mundo. RP: Falando do Cura, é curioso que você abre o disco com uma versão de “Sino da Igrejinha”, uma canção da Umbanda que fecha o disco Canta, canta, minha gente de Martinho da Vila. Também tem outro caso curioso na canção “Sonhos”, do disco Trilogia do amor, onde há um trecho de um discurso do Martin Luther King. Como surgem essas duas referências tão diretas? JF: O “Sino da Igrejinha” foi muito interessante porque foi uma música que sempre me tocou quando eu ia para os sambas, é uma música que habitava meu imagético. Eu fui uma pessoa criada no ambiente evangélico e depois rompi com a Igreja, resolvi seguir outros caminhos, e ali no meio da pandemia eu me encontrei ancestralmente através dos cultos de matriz africana, embora não frequentando, mas fui conhecendo muita gente e fui me apaixonando pelas figuras que representam os Orixás, principalmente a figura do Exu, que traz um aspecto muito humano e de muito poder, de abertura de caminhos. Então, quando eu entendi o que era esse Orixá, o que era esse “tranca rua” que fala na música, esse arquétipo de Exu e a força que ele tem eu resolvi fazer um arranjo para essa música. Comecei a buscar outros pianistas para ter referência e não tinha ninguém que tivesse feito isso, foi aí que eu percebi que eu tinha sido o primeiro pianista a gravar essa música nesse estilo, então resolvi ousar e colocá-la para abrir o disco e abrir os caminhos evocando os espíritos ancestrais. Então, embora eu soubesse da gravação do Martinho da Vila, nesse caso, não foi uma referência direta, embora a versão de Martinho seja uma das mais maravilhosas e uma das mais conhecidas. E é curioso porque o piano tem muito esse lugar da erudição, do signo europeu, então trazer o “Sino da igrejinha” para dentro do meu álbum também foi um lugar de afirmação enquanto pianista do subúrbio onde tem vários terreiros, onde tem o samba, e aí nesse caso eu acho que faz um link com o Martinho da Vila, que é de Vila Isabel, subúrbio também, e evoca o lugar de onde eu vim, que é Madureira. Já a música “Sonhos”, com o trecho do Martin Luther King, tem outra história. Eu tinha lido um livro que falava do Martin Luther King fora do mito, tratava do sonho de um bem maior, que era essa emancipação do povo preto. Então eu compus essa música inspirada nessa história e aí para mim fez todo sentido inserir um trecho do próprio discurso dele. RP: Você também tem uma relação muito próxima com o cinema, você dirige, por exemplo, o filme da música “Meu Sol”, do seu novo disco. Como começou essa aproximação entre música e cinema? JF: Eu quando tinha uns 15, 16, 17 anos tive um momento muito rico da minha vida em termos de incorporação de conhecimento e eu sempre gostei muito do ambiente do cinema. Então, houve uma oportunidade de estudar com um grande cineasta já falecido, o Alberto Salvá, com quem estudei roteiro e direção durante um ano. Em 2018, já com o disco Trilogia do Amor pronto, quis lançar algo que fosse um híbrido entre o curta metragem e o videoclipe, e aí me aventurei em fazer minha primeira direção a partir de um roteiro meu e de outra roteirista. Surgiu, então, “A Jornada”, feito com recursos mínimos e foi incrível. Fui incentivado a inscrever esse curta-metragem nos festivais de cinema e ele foi não só aceito como ganhamos prêmio de melhor trilha sonora, que é a trilha sonora do disco, e o prêmio de melhor figurino. Então foi ali que percebi que existia um grande potencial a ser explorado a partir da ideia afrofuturista que eu estava explorando com a inserção de corpos pretos na tela sendo mostrados de uma outra maneira. E a partir disso comecei a desenhar os projetos, comecei a dirigir outros filmes de curta. Eu brinco que a direção é uma cachaça (risos). Quanto eu estou produzindo música, eu me sinto um arquiteto do som, e quando eu estou dirigindo, eu me sinto um arquiteto da imagem e são duas coisas que se complementam muito. Eu gosto muito de moda também, então acaba que eu acabo fico passeando por essas coisas. Mas é claro, eu sou um diretor a partir do pianista, isto é, da música eu chego no objeto do cinema e aí eu tento mesclar esses dois caminhos e fazer mais coisas acontecerem. Agora tive essa oportunidade maravilhosa do filme da canção “Meu Sol” com a participação do ator Ailton Graça, que aceitou prontamente o meu convite. O filme já está quase com 400 mil visualizações no YouTube. Eu fico muito feliz. RP: Você disse que gosta muito de moda e isso é também uma particularidade da sua personalidade artística. Como é essa relação do músico com a moda? JF: Eu sempre gostei muito de moda, da imagem, de direção de arte, de figurino e aí quando comecei a fazer meu trabalho oficialmente com a música eu entendi que a minha comunicação tinha que ser visual também, não só musical. Ao longo do tempo fui entendendo que a moda para mim era um lugar de expressão assim como me expresso com a música e com o cinema. Eu comecei a ter acesso a outros estilistas, alguns estilistas também começaram a querer me vestir e aí a partir disso desfilei no São Paulo Fashion Week, fiz campanha para a Dior, então existe toda uma trajetória que aconteceu a partir desse lugar da moda e é um caminho sem volta. É curioso isso acontecer com um artista de jazz, já que todo mundo pensa que o artista vai subir no palco todo de preto e preocupado apenas com as notas que deve tocar. Mas eu estou mais interessado em conectar do que apenas em entreter e trago a moda para comunicar, para trazer a atenção para aquilo que quero falar. Eu não quero ser conhecido como o pianista que dá mais notas por segundo, teve uma época que essa era a moda. Eu quero que pessoas ouçam minha música e se conectem com elas. O pianista Herbie Hancock, de quem gosto muito, fala que a música é um pingo no oceano, imagina um dos maiores pianistas do mundo falando que a música é um pingo no oceano! Ou seja, se não houver a conexão, se as pessoas não se sentirem transformadas quando te ouvem, sua música não valeu quase nada. Então, eu fico buscando esse lugar. RP: E por falar em influências, quais as tuas principais referências musicais? Sempre foi o Jazz?
JF: O jazz entra na minha vida com 18 anos, junto com o hip hop curiosamente, e eu acho que mudou a minha escuta e a minha trajetória. Junto do jazz fui apresentado ao MV Bill e aos Racionais MC’s, o que me fez descobrir o ser político que eu sou, o homem negro que sou e me fez pensar como é caminhar a partir desse corpo no mundo. Todos esses processos me inspiraram muito. Hoje eu sou uma pessoa que escuta muito jazz novo, jazz antigo, hip hop do Brasil e do mundo, ouço bastante coisa nova, também ouço música erudita. Eu gosto de tudo, tudo que me toca eu me interesso. Deixo minha mente muito livre para ser provocada e conectada por tudo que acho interessante. RP: Como é a sua relação com a necessidade de criar coisas novas, de inventar coisas novas tendo como background a grandiosa não só do Jazz como também da história da MPB, sempre uma ponta-de-lança da música mundial? JF: Eu tenho muito respeito por quem veio antes de mim e abriu caminho e trouxe novas possibilidades no campo da música, sendo ponta de lança mesmo no mundo. Aqui na Europa, por onde eu passo e falo que sou brasileiro as pessoas demonstram conhecer muito da nossa música e fico impressionado. Então, enquanto pianista preto que veio do subúrbio, eu tenho muita responsabilidade com o que eu tenho para falar. Eu penso na música como um lugar que vai do jazz de John Coltrane até Racionais Mc’s. São coisas que parecem dois mundos, mas são caminhos que conversam entre si, e eu fico buscando esse lugar dos limites. Estou sempre buscando o novo, o que é o fresco, o que posso trazer de frescor. Vou lançar, por exemplo, um EP só com músicas do Charlie Brown Jr, arranjadas por mim e gravadas junto com a Orquestra de Ouro Preto. É um caminho que vai ser bem fora da curva. Eu faço música para mim primeiro, para eu ouvir, para eu me conectar. Penso que amor e conhecimento só fazem sentido quando é compartilhado, e é assim que eu me relaciono com a minha música, com as cosias que eu escrevo. Meu propósito é compartilhar. RP: Então em breve temos disco novo? JF: Primeiro será lançada a música “Saudades”, uma versão em homenagem ao meu pai, que faleceu inesperadamente assim que eu cheguei em Lisboa para essa turnê. Foi difícil esse processo, de altos e baixos, e eu tenho dedicado essa música para ele nos shows que tenho feito. Na sequência, em setembro, deve sair o disco com essas versões que, a princípio vai se chamar Lar. Será um Charlie Brown Jr por Jonathan Ferr. RP: E para finalizar: como você definiria, em uma única palavra, o Jonathan artista? JF: Eu diria inovador, é assim que eu defino as coisas que eu faço. Tento trazer a inovação, aquilo que ninguém nunca fez, ninguém nunca ouviu, nem mesmo eu, vou buscar esse lugar de inovação sempre, é o caminho que venho buscando. Banda brasileira celebrou uma década no palco do Salão Brazil e deu spoiler: há disco novo no bolso.Texto: Keissy Carvelli Fotografia: João Duarte O furacão latino Francisco, el Hombre passou por Coimbra com a turnê 10 años, uma celebração em alto e bom tom de uma década de existência da banda. Após percorrer algumas cidades da Espanha, também Lisboa e Porto, em Portugal, a última parada foi no famigerado Salão Brazil e o resultado foi um só: chão, teto e parede pegaram fogo, como sugere a canção da banda brasileira indicada ao Grammy Latino em 2017. Para a vocalista e percussionista Juliana Strassacapa, tanto a turnê quanto o álbum homônimo 10 años representam um «catálogo de sabores» de tudo o que Francisco, el Hombre já fez até o momento. O disco traz ao público releituras das canções que marcaram a história da banda, como é o caso de ‘Triste, louca ou má’ e ‘Chão teto parede’, lançada há uma semana nas principais plataformas digitais. Antes de subirem ao palco do Salão Brazil na sexta-feira (2), Juliana Strassacapa e Mateo Piracés-Ugarte, violonista e criador da banda em 2013 junto de seu irmão Sebastián, conversaram com a Rádio Pessoas sobre os dez anos de trajetória musical, sobre o processo criativo coletivo e ainda deixaram escapar um spoiler: em 2024 vem disco novo por aí. Rádio Pessoas: Analisando a trajetória de Francisco, el Hombre pela discografia, temos um catálogo muito variado de sonoridades se compararmos, por exemplo, o EP ‘La pachanga’ (2015) com o primeiro disco ‘Soltasbruxa’ (2016) e o segundo ‘Rasgacabeza’ (2019). Depois, ainda, veio Casa Francisco (2021), um disco realizado a partir do edital Natura Cultural. Como essa trajetória resultou neste novo disco 10 años? Francisco El Hombre (Mateo): Cada disco que a gente fez até agora teve um recorte. O ‘Soltasbruxa’ (2016), nosso o primeiro álbum, foi o resultado de experiências bastante intensas. Fomos assaltados entre outras coisas que quase acabaram com a banda, então fizemos um disco onde a pergunta era: «se a banda fosse acabar amanhã, qual é o disco que a gente gostaria de deixar?» Foi mais uma tentativa de um apanhado geral da banda. Já no ‘Rasgacabeza’ a gente vinha aprendendo a fazer uma autoprodução e flertando muito com a música eletrônica. No começo era um álbum que iria se chamar 8 ou 80. O 80 era para ser ou o lado intenso e energético da banda, era uma tentativa de fazer um show o mais potente possível, e lado 8 eram as músicas mais calmas. Só que naquela época a gente percebeu que o 80 estava fluindo de uma forma mais orgânica entre nós, então tiramos o 8 e fomos de ‘rasgacabeça’. Já o disco atual, 10 años, foi gravado e produzido em duas semanas e quisemos mostrar o que a gente vem fazendo nestes anos. As músicas mudaram muito no nosso show ao vivo, então quisemos passar isso para o disco. São músicas mais longas, com muita fluidez entre os ritmos, com muita brincadeira com o ouvinte. Não reinventamos a roda neste disco, a gente fez o que é naturalmente nosso. RP: Nestes dez anos de formação da banda, como funcionou e como tem funcionado o processo criativo de composição das canções e de criação dos discos? É um processo coletivo? FEH (Juliana): Aprendemos muito nestes dez anos porque vivemos muitas coisas. Também a Francisco, el Hombre não é só uma banda, não é só um trabalho. A Francisco começou como um bote salva-vidas para todo mundo. Acho que todo mundo estava vivendo um caos psicológico e emocional e fomos entendendo que era um apoio mútuo esse coletivo. Cada vez mais a gente entende como fazer melhor o que a banda pede a cada momento abaixando o volume do ego, fazendo concessões, entendendo e pensando sobre o que faz sentido para o coletivo FEH (Mateo): A gente tem uma tendência a sempre tentar fazer tudo muito coletivamente. Quando vamos compor passamos por muitos processos em conjunto. Dentro do processo da produção fonográfica da música – porque muitas vezes eu acabo assinando –, a gente foi aprendendo que nem sempre todo mundo tem que aparecer ao seu pleno vapor. Então, nessa turnê 10 años cada um tem o momento de mostrar o seu brilho e acho que esse é o grande potencial da banda: tem várias personagens e cada ume tem um brilho que muda totalmente o rumo da banda. RP: E como isso se reflete no show desta turnê? FEH (Juliana): Eu sinto que esse show agora vem com muitos sabores. O ‘Rasgacabeza’ era uma energia caótica intensa e chegava lá em cima o tempo inteiro. Agora a gente foi entendendo outras maneiras de trazer intensidade que não seja só nesse lugar. Então, neste show tem muito ska, muita dançabilidade, tem várias músicas repaginadas. Tem um catálogo de sabores e muitas possibilidades de conexão com a música. O público pode se conectar emocionalmente, pode dançar, explodir, tem muitos sabores. RP: E tem sido prazerosos esses sabores? FEH (Ju e Mateo juntos): Sim! FEH (Mateo): Tem muito mais dinâmica agora. A catarse está completamente lá, só que a gente tem explorado novas dinâmicas. Abrimos também muito espaço para o instrumental que levam a momentos também catárticos. Acho que o instrumental ganha nova vida nesse novo show e isso gera novas dinâmicas. Do mesmo jeito, com brincadeiras, com risadas, com troca, só que tem mais dinâmica. Honestamente acho que é um processo mais profissional e menos ansioso. RP: Quais os planos para o futuro após a turnê ‘10 años’? FEH (Mateo): Temos um disco novo no bolso. Estava pronto já há algum tempo, mas a gente percebeu que deveria, antes, celebrar os dez anos da banda. Porque o que artista independente faz é procurar bons motivos para celebrar bastante. Mas tem muita música por vir ainda, será um disco impactante. RP: Que maravilha, disco novo! E já tem nome? FEH (Mateo): Tem nome, mas isso aí não será revelado (risos). A sonoridade é bem diferente do que já fizemos. Agora a gente está focando nos 10 anos, mas quero dar esse spoiler no sentido que tem mais por vim. RP: Quando o disco será lançado? FEH (Mateo): Ano que vem. RP: E por falar em discos, quais discos/bandas vocês têm ouvido durante essa turnê? FEH (Mateo): Nessa turnê a gente fez seis shows na Espanha e três em Portugal e eu fiquei um pouco impressionado com a minha falta de conhecimento a respeito das bandas atuais destes lugares. Então eu pedi algumas indicações para um amigo nosso de uma banda catalã chamada La pegatina e ele me passou várias bandas incríveis. Por isso, tenho ouvido bastante uma banda chamada Coletivo Panamera, também Mister Quilombo, Valéria Castro. Eu tenho achado incrível conhecer um pouco mais dessa cena contemporânea espanhola que é extremamente interessante. FEH (Juliana): No início da turnê eu estava ouvindo muito James Keenan, vocalista da banda Tool. Depois comecei a ouvir Flamenco, Rumbas e Tango, coisas pelas quais sou apaixonada e me conecto muito com essa onda de Espanha. Mas o que eu mais tenho ouvido agora mesmo são mantras. RP: O que é Francisco, el Hombre uma década após o início da banda? FEH (Juliana): Eu acho que Franciso, el hombre é um universo. Como um universo está sempre em expansão, em contração, em movimento e em transformação, eu acho que tem muita coisa contida nesse coletivo. A gente não é só uma banda, a gente não é só uma família, a gente não é só amigos... A gente não é uma coisa, a gente é muita coisa. FEH (Mateo): Gostei disso! Eu acho que Francisco, el hombre é uma República Democrática Autônoma Itinerante formada por amizades e regida por uma constituição de péssimos trocadilhos. |