«Bandua é uma entrega de uma visão musical sobre a junção da ancestralidade com o contemporâneo»13/10/2023 Texto: Keissy Carvelli Da união dos cantares portugueses típicos da Beira Baixa com a música downtempo berlinense, o projeto Bandua, criado por Bernardo D’Addario e Edgar Valente, faz emergir um universo muito particular em que a ancestralidade e o contemporâneo convergem e convidam a uma experiência única. Como ressalta Edgar Valente, um grande conhecedor do cancioneiro português, Bandua também tem como princípio revalidar uma ecologia dos saberes há muito tempo perdida. Bandua extrapola o campo musical e adentra com naturalidade ao campo social ao reler e reinventar cantares tradicionais, reconectando passado, presente e mirando o futuro. Seja no primeiro álbum Bandua (2022), seja nos concertos mais recentes, a dupla de músicos aposta sempre numa experiência imersiva, que poderá ser vista a olhos nus no MATE Festival, no dia 20 de outubro às 20h na Lufapo Hub. Conversamos com Bernardo D’Addario e Edgar Valente sobre a natureza deste projeto e, claro, também sobre as expectativas para a apresentação que se dará em breve no MATE Festival. RÁDIO PESSOAS: O primeiro álbum, Bandua (2022), mistura a música eletrônica com os cantares portugueses. Como Bandua sentiu a recepção do público em relação a essa sonoridade tão distinta? Bandua (Edgar Valente): Eu acho que em geral a forma como o público recebeu o projeto foi um pouco mais positivo do que esperaríamos. Sentimos que a forma como as pessoas recebiam, mesmo que fossem os nossos amigos, era d euma forma muito surpreendente. Agora, acabou por ser surpreendente a forma como chegou a um público mais transversal, porque de alguma forma essa lógica da música eletrônica, principalmente essa lógica própria da música downtempo, e do universo da música tradicional, ambos têm um aspecto de público que não é tão abrangente. E nos surpreendeu ter chegado, em apenas um ano, a um evento mainstream como foi o Festival da Canção cá em Portugal. Agora, por outro lado, agora que vivemos esse processo conseguimos compreender melhor porque isso acontece. De alguma forma, essas lógicas têm a ver também com o território e com a forma como conseguimos encontrar pontes entre o passado, o presente e até o futuro, acho que são modos cada vez mais urgentes de pensar a nossa sociedade, não só musicalmente, mas de maneira geral. Este tipo de exemplos do que estamos a fazer, que encontra um meio termo de forma equilibrada, é importante por dar várias luzes, até no contexto social, até mesmo por uma coisa muito básica que é a defesa do território e da vida, a ecologia dos saberes, das coisas antigas. Há de se lembrar que essa coisa dos cânticos, que hoje é romântica, há de não se esquecer que até tempos atrás foi bastante ignorado e já foi de alguma forma muito desvalorizado. É bom que de alguma forma estamos a contribuir também para uma perspectiva social, que volta a ter em conta todo tipo de saberes, inclusive daquilo que está expresso nos cantares e nas coisas que não são tão intelectuais, mas que são mais de coração. RP: Esse processo perpassa também por uma pesquisa das raízes musicais, das ancestralidades musicais. Como se deu esse processo? BANDUA (Bernardo D’Addario): Eu e o Edgar viemos de polos diferentes nessa matéria. O Edgar tem uma história mais completa de manusear, tocar e cantar músicas de raiz portuguesa, já a minha história vem de um lado mais do eletrônico, da percussão, no entanto, despertou uma curiosidade em mim no processo de criação de pegar a raiz portuguesa e inseri-la na música portuguesa. A pesquisa, pelo menos da minha parte, surgiu muito da curiosidade que eu tinha de história e da raiz do meu avô, pai da minha mãe, que era lá da Beira Baixa. Quase de uma maneira ingênua, foi se criando pouco a pouco uma base musical que depois foi integrada a essa parte cantada do Edgar, com essa parte de música portuguesa que ele já tem. De um certo modo, Bandua nasceu dessa junção entre a minha curiosidade e o meu backgroud de percussão e toda a sabedoria que o Edgar já tinha por esta mais conectado com essa pesquisa do que eu. Com o passar do tempo, fomos conhecendo pessoas, gravando coisas, colocando letras, memórias, e foi criando essa personalidade que é Bandua. BANDUA (EV): Houve um processo fluido de recolha e escolha das músicas, e dentro dessa fluidez houve também um critério de escolha das canções, pelo menos particularmente, as músicas que demonstram a relação das pessoas com o seu meio envolvente, com a natureza que as acolha. Não que eu ou o Add’ario sejamos pagãos, não tem a haver com isso, mas interessa mais explorar as relações mais pagãs que tinham respeito a toda a conexão que existia, tanto a nível com a natureza como espiritual das pessoas de uma forma mais autêntica, mais do que aquelas impostas pelo catolicismo. Além dessa seleção que fizemos, houve também uma reescrita, há vários desses poemas antigos que são escritor por nós em que trocamos algumas das palavras que eram mais alusivas ao contexto religioso católico, para outras coisas que faziam mais alusão aos meios naturais que envolviam essas comunidades. E isto na verdade é quase voltar a devolver algumas dessas canções, e escritas e poemas ao sítio de onde elas eram originalmente. Então, as criações derivam de um processo de ressonância e foi sendo sempre assim, de uma forma fluida e de uma forma de voltar a relembrar todo esse conhecimento e a sensibilidade ancestral que existia. RP: A dimensão humana é também um fator importante, então? BANDUA (EV): Arranjamos justificações dentro das nossas cabeças, mas elas derivam dentro de um processo de ressonância. É uma forma de voltar a relembrar todo esse conhecimento e a sensibilidade ancestral, porque essas músicas não eram feitas pelos burgueses, era mesmo pelo povo. Esta coisa de alguma forma me interessa muito, a revalidação destes saberes. Estes poemas caracterizam isso mesmo, os traços mais generosos, humildes e autênticos do ser humano. Acima de tudo quisemos que esse fosse um disco que, apesar da parte eletrônica, que tem as máquinas, tem também um lado muito humano. E esse foi também um critério de seleção, de letras que fossem o mais humanas possíveis. RP: Qual a história por trás do nome Bandua? BANDUA (BA): Bandua é o nome de uma entidade antiga da Península Ibérica e o propósito dele era o de atar as pessoas, o comércio e os eventos. Bandua era venerado como uma entidade que era tanto homem quanto mulher, criando um pouco de uma identidade andrógena que a gente também procurou trazer para dentro do palco. RP: Há projetos futuros do Bandua? BANDUA (BA): Estamos há algum tempo num processo de composição alongado. Eu e o Edgar temos um processo de construção muito orgânica, e o nosso objetivo é, se tudo correr bem, provavelmente ano que vem vamos fazer um segundo álbum com várias músicas que já tocamos ao vivo. Mas já temos muito material gravado também, set inteiros, que a gente vai começar a trazer cá para fora. Enfim, a gente está com muito material para fazer um processo alongado de lançamento no ano que vem. RP: O que Coimbra pode esperar o show do Bandua no MATE? BANDUA (BA): Vamos apresentar no MATE um show que temos apresentado no último ano e que é uma experiência imersiva daquilo que é o mundo de Bandua, não só com áudio, mas com audiovisual também. RP: Com uma dimensão de contato com as raízes, suponho. Bandua (BA): O nosso trabalho é também um trabalho de preservação, da gente pegar em algo que é outrora antigo, que pode ser esquecido, e a gente poder traduzir isso para um contexto mais contemporâneo. De alguma forma também apresentar isso para pessoas que possam guardar e preservar isso e continuar levando essa música para frente. Então, de certa forma, o nosso show também é um pouco isso, trazer essa ancestralidade para um contexto mais contemporâneo. RP: E como você percebem a importância de apresentar o Bandua num evento como o MATE, que tem como natureza a conexão de diversas culturas e artes? Bandua (EV): Para nós, na leitura e no momento presente do projeto, o Mate tem papel importante e faz sentido nossa passagem pelo MATE porque nesse momento temos mesmo vontade muito grande de internacionalizar o projeto, de levarmos também uma visão sobre Portugal que é esta que nós trazemos, que sentimos confiança que é coesa o suficiente para poder apresentar uma outra forma de ver Portugal musical e culturalmente, que não tem só a ver com o Fado ou com aquelas expressões mais características que tem estado dentro do circuito de world music nas últimas décadas. E estamos aqui super apto a isso. RP: Como vocês definiriam o que é Bandua? Bandua (BA): Bandua é uma entrega de uma visão musical sobre a junção da ancestralidade com o contemporâneo. Da música que era cantada pelos nossos avós, mas que hoje em dia a gente canta. Então, como é que a gente apresenta algo antigo, mas que tem relevância para um público e para o tempo de hoje. Bandua é um projeto que procura explorar essa área, esse conceito e fazendo de uma forma que seja divertido e é uma forma também um pouco mais espiritual. Naturalmente pela origem pagã tem o peso da terra, tem o valor espiritual e, claro, também valor intelectual para quem quer mergulhar. E claro, de certa forma também honrar o nome de Bandua que atava os nós entre as pessoas, porque o que fazemos aqui também é atar esses mundos mais ancestrais, de dança, de expressão e de espiritualidade também. Bandua, para mim, é um pouco disso tudo. MATE Festival 20 de outubro (sexta-feira) ACTIVIDADES 14h00 Credenciamento 14h30 Abertural Oficial 15h30 PAINEL - Redes e Associações: A representatividade prática da coletividade 16h30 SHOWCASE - Erick Endres 17h00 PAINEL - Territórios Criativos: Estruturas de desenvolvimento e indicadores 18h00 Ponto de Encontro by Coolectiva 21h00 Exposição no Escuro CONCERTOS 18h00 Lika 18h00 Tor4 20h00 Bandua LOCAL - Lufapo Hub - R. Cel. Júlio Veiga Simão 3025-307 Coimbra A programação completa do MATE Festival está aqui.
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